terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Os Indomáveis

Direção: James Mangold
Roteiro: Halsted Welles, Michael Brandt, Derek Haas, baseado num conto de Elmore Leonard
Elenco: Russell Crowe, Christian Bale, Ben Foster, Logan Lerman, Dallas Roberts, Peter Fonda, Vinessa Shaw, Alan Tudyk, Gretchen Mol

Na década de noventa, quando todo o mundo cinematográfico já imaginava o western como gênero morto, eis que surgiu um dos grandes ícones de outrora e fez um filme maravilhoso, laureado com Oscar e tudo mais. Estou falando de Clint Eastwood e seu genial Os Imperdoáveis. É um filme primoroso, nostálgico sem ser retrógrado, que virou consenso crítico e catapultou definitivamente a carreira de Eastwood como cineasta. Parece ter sido apenas um último suspiro, sabe quando a lâmpada brilha mais forte antes de se apagar definitivamente? Pois é o que aconteceu com os westerns de lá para cá. Chamados também de faroestes (não me venha com esta história de bang-bang, o nome baseado na onomatopéia é ridículo e reducionista em minha opinião) estes filmes pertencentes ao gênero americano por excelência, mas que também encontraram êxito nas produções italianas, conhecidas somo spaghetti-westerns, parecem simplesmente ter caído em ostracismo, seja porque o público não se identifica mais com seus personagens ou qualquer outro fator. Cineastas tentaram, em vão, fazer, ao longo destes quase vinte anos, alguns filmes que revisitassem o velho oeste americano. Digo em vão, pois os resultados, geralmente, foram de relevância duvidosa e mesmo quando saíram bons filmes, o público não respondeu aos esforços, ou seja, más bilheterias foram colocando mais pás de terra no sepulcro do western. Uma das mais recentes tentativas de se ressuscitar o velho gênero, foi feita pelo diretor James Mangold, utilizando o clássico Galante e Sanguinário, para fazer uma refilmagem, tendo como protagonistas dois nomes invejáveis: Russell Crowe e Christian Bale. Mais uma vez, o público não pagou para ver, o filme fez apenas bilheteria mediana, mas, garanto que os poucos que o viram em tela grande, apreciaram e muito o resultado da empreitada.

Dan Evans (encarnado com espantosa veracidade por Bale, um dos grandes atores da atualidade) é um rancheiro, cheio de dívidas por causa da seca. Ele perdeu uma das pernas, na verdade uma parte dela, quando servia nas tropas do norte e agora tem que lidar com a falta de dinheiro, a pressão pelos pagamentos e o desgosto que a mulher e os filhos no fundo sentem por sua situação paupérrima. Habitando outro mundo, temos Ben Wade (Russel Crowe, que demora um pouquinho a convencer como bandido, mas quando convence, é uma recompensa e tanto ver ele no papel) líder de uma gangue que acaba de assaltar uma diligência. Dan representa a vida pacata e sossegada no oeste, enquanto Ben é o próprio perigo em pessoa, sua chegada em qualquer lugar já é prenúncio de morte. Mesmo com realidades tão distantes, os dois se encontrarão e compartilharão uma jornada que os aproximará ideologicamente, mostrando-nos que ambos são muito parecidos, mesmo que tudo, suas motivações, seu caráter, sejam diferentes.

De saída, o grande acerto de James Mangold foi a escolha do elenco, e não falo só dos protagonistas que dominam o filme completamente, com atuações maravilhosas, mas também dos coadjuvantes que se saem muito bem na missão de ajudar na construção da história. Nesta área, a dos coadjuvantes, destaque todo especial para Ben Foster, que é dono de um personagem tão fascinante quanto os principais (menos profundo, é claro), numa clássica abordagem do convencionalmente chamado “segundo em comando do bando”. No entanto, o grande mérito de Mangold foi ter conseguido oferecer roupagem nova à história, por meio de uma direção muito inspirada, porém sem esquecer de obedecer a certos códigos que regem o gênero, ou seja, ele criou uma obra de linguagem contemporânea, dotada de um espírito clássico.

Os Indomáveis é, portanto, um ótimo filme, grande realização de um diretor que se mostrou apaixonado pelo projeto e que contou com o apoio de alguns profissionais que apostaram na ressurreição daquele que sempre foi um dos tipos de cinema prediletos, não somente dos americanos, mas de cinéfilos no mundo todo. Se não foi tão laureado quanto Os Imperdoáveis ou tão aclamado quanto os de antigamente, Os Indomáveis pode se gabar, sem dúvida alguma, de honrar e dignificar o gênero, oferecendo a esperança de que outros diretores competentes e apaixonados pelos cowbóis e outros seres que habitavam o velho oeste, os tragam do limbo, colocando-os de volta no Olimpo de onde nunca deveriam ter saído.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Gran Torino

Direção: Clint Eastwood
Roteiro: Nick Schenk, baseado na história original escrita por de Dave Johannson, Nick Schenk
Elenco:
Clint Eastwood, Geraldine Hughes, John Carroll Lynch, Cory Hardrict, Dreama Walker, Brian Haley, Doua Moua, Brian Howe, Lee Mong Vang, Bee Vang, Ahney Her, Sarah Neubauer, Christopher Carley, Nana Gbewonyo, Rio Scafone

Hoje, aos 78 anos, Clint Eastwood é um dos mais respeitados profissionais de cinema, seja pela história que construiu no passado, como ator, ou mesmo pela carreira que edificou, principalmente nos últimos 15 anos, como diretor. Cada vez que é divulgado um novo trabalho seu, paira sobre ele a expectativa de mais uma indicação ao Oscar, ou mais algumas, se levarmos em conta suas últimas obras. A academia parece gostar muito de Clint, parece ter um carinho especial com as realizações deste ator que já fez de tudo, mas que se tornou legendário por meio dos westerns, gênero americano por excelência (mesmo que Eastwood tenha se tornado notório nos spaghettis de Sérgio Leone). Neste ano, o quase octogenário cineasta dá provas de fôlego e disposição ao realizar dois filmes (tal qual tinha ocorrido em seus projetos anteriores, A Conquista da Honra e Cartas de Iwo Jima): A Troca, filme que tem como protagonista Angelina Jolie (muito elogiada no último Festival de Cannes) e Gran Torino, filme que, segundo o cineasta, marca sua despedida em frente às câmeras, ou seja, mantida a palavra, é a última aparição de Eastwood como ator. E que despedida.

No filme, ele interpreta Walt Kowalski, um veterano da guerra da Coréia, que se vê cercado de vizinhos imigrantes. O problema é que Kowalski, além de mal-humorado, é preconceituoso e não está nem um pouco preocupado em costurar laços com quem quer que seja (menos ainda com coreanos), mesmo com seus filhos e netos, que o tratam de forma distanciada. Morando com sua cadela, a única que consegue conviver fraternamente com ele, Kowalski é um tipo que, a priori, parece fazer de tudo para afastar as pessoas, por simplesmente não gostar do contato que tem com elas. Ele não tem fé, parece carregar mais culpa do que se imagina, como se fantasmas o visitassem toda noite e, ainda assim crê não precisar de ajuda alguma, é um solitário convicto. Conforme a história vai se desenvolvendo, e por alguns caminhos os quais não convém entregar aqui, o velho Walt começa a ter contato com a gente que antes desprezava por puro preconceito e a casca que parece cobri-lo vai se quebrando aos poucos, numa narrativa que endurece quando se espera sentimentalismo, mas que não perde a ternura.

É até difícil, falando das interpretações de Gran Torino, tentar avaliar os coadjuvantes, que tiveram a dura missão de fazer frente a uma atuação tão avassaladora como a de Clint Eastwood. O ator desenvolve seu personagem de uma forma tão visceral, tão orgânica e convincente que não tem como deixá-lo fora do quadro. Ele é o eixo da narrativa, o pilar de um filme feito com esmero e mãos de artesão. Gran Torino lembra aqueles exemplares de antigamente, que não precisavam de grandes estripulias para prender a atenção do espectador. Alguns podem acusá-lo de ter uma trama convencional, ou mesmo de ser esquemático, o que, em minha opinião, não é verdade. O que poderia justificar alguma ressalva é a mudança um tanto quanto radical de Kowalski em relação à seus preconceitos, algo que eu entendo como idéia que reforça a casca que cria em torno de si, não sendo ele tão ruim e rancoroso de fato, tendo a dita casca quebrada com certa facilidade então. Alguns subtextos tornam o filme ainda mais interessante e o personagem de Clint ainda mais humano. Se vai ganhar algum prêmio, um Oscar, aí eu já não sei, mas Clint Eastwood merece todo e qualquer pela vida que dedica ao cinema, à realizações de qualidade e profundidade. E se esta é sua despedida como ator, só tenho a agradecer e aplaudir pelo trabalho que ele desempenhou durante estes anos, encarnando tantos personagens diferentes e culminando neste que é uma obra-prima, e que habita num filme tão bonito e bem realizado.

domingo, 28 de dezembro de 2008

Dicas para o Ano Velho

Olá, caro Amigo-leitor.
Tenho consciência do tempo que deixei de lhe falar, mas como seria de costume, não darei qualquer tipo de desculpa, que de qualquer forma soará falsa e produzida a partir de um molde largamente utilizado.
Pois bem, deixemos de palavras e por conseqüência frases que por fim não nos levarão a lugar algum. Sem pretender tomar importância de jornalista, pretendo sim informar, na realidade é mais adequado escrever ao invés de “informar”, “alertar”. Amigo-leitor, não se assuste, porque não se trata de texto relacionado aos perigos do homem para a frágil natureza, por um simples exemplo corriqueiro, mas de questões que nos competem, a mim e a meus fiéis companheiros de blog, neste espaço. Alerto você para pontos que parecem pertinentes no momento presente. Aí vão:

1ª O Governo Federal através do MEC – Ministério da Educação lança em cunho comemorativo aos 100 anos da morte de Machado de Assis (?), tido como o maior literato brasileiro dos tempos até aqui, sua obra inteira digitalizada no seguinte link. Vale como dica, tendo em vista que não me agrada a leitura que não seja com papel em mãos, ao menos que o conteúdo seja leve e pouco.


2ª O site Projeto Releituras, possui, dentre outros inúmeros atrativos aos amantes da literatura, um interessante link “Rato de Sebo”, que nada mais são que tirinhas, como as que nos deparamos em periódicos, porém voltadas ao mundo cultural e principalmente ao das letras. Segue abaixo um exemplar:



3º (E último, para alívio de muitos) Segunda-feira, dia 29/12, às 19:30 na UCS TV, dentro do programa gravado Estúdio Aberto, o Celo e o Kon falam um pouquinho sobre nosso curta-metragem de estréia, “Famílias Felizes se Parecem”. Fiel, Amigo-leitor, se puder, se o destino não lhe reservar outro caminho, por favor, não perca.


Abraçosss aos que até esta linha me agüentaram. Aos demais, até mais ver. Se bem que os que não me agüentaram até esta linha deixam de receber meu “até logo”, mas o faço àqueles que, apressados, lêem o começo e o fim, sem se deter ao meio, negligenciado.
Sem mais delongas.

sábado, 27 de dezembro de 2008

Crítica: Marley & Eu

Direção: David Frankel
Roteiro: Don Roos e Scott Frank, baseados em livro de John Grogan
Elenco: Owen Wilson, Jennifer Aniston, Alan Arkin, Eric Dane, Kathleen Turner, Nathan Gamble.

Marley, o pior cão do mundo. Difícil pensar nessa definição para o animalzinho que aparece com uma fita vermelha no cartaz de Marley e Eu, filme familiar que chegou no natal aos cinemas e que apresenta um casal simpático se adaptando a diversas mudanças, sejam elas geográficas, profissionais, ou mesmo relativas ao aumento da família. Difícil pensar que o carismático labrador poderia ser o pior cão do mundo, mas não quando se assiste ao filme e se percebe os problemas que John e Jenny Grogan tiveram ao longo do tempo tendo Marley como animal de estimação.

Confesso que se mostra difícil não transformar um texto sobre Marley e Eu em algo pessoal. Não li o livro de John Grogan, best-seller que deu origem ao filme, mas a produção tocou quem vos escreve já nos créditos iniciais, quanto colocou Michael Stipe e Kate Pierson cantando a animada Shiny Happy People. Também não sou o maior fã de cachorros, mas quem pode resistir aos filhotes que aparecem em cena quando o personagem de Owen Wilson, que interpreta o já mencionado John Grogan, decide presentear sua esposa com um labrador? Outro ponto que devo mencionar é a escolha de Jennifer Aniston para viver Jenny Grogan, sendo eu um fã incondicional da extinta série televisiva Friends.

Uma vez mencionados todos os atrativos para mim na produção, não posso sobrepô-los aos erros do filme dirigido por David Frankel, que não são poucos e transformam Marley e Eu em outra produção gananciosa dos estúdios americanos, que se utiliza de diversos recursos apelativos para comover e ganhar seus espectadores. Frankel já fez trabalho semelhante em O Diabo veste Prada, outra adaptação de best-seller que dirigiu, e segue a mesma linha de trabalho tocando um filme que apela para a comédia inicialmente, mas que lentamente vai se transformando em algo mais sério e dramático.

O roteiro escrito a quatro mãos por Don Roos e Scott Frank é bem resolvido e opta por soluções interessantes vez ou outra para dar continuidade a trama, como alguns pulos no tempo em momentos onde a história poderia se tornar monótona. Outra opção inteligente dos roteiristas junto ao diretor foi a de inserir uma seqüência onde John narra uma série de acontecimentos em ‘fast forward’, o que apresentou diversas situações que provavelmente foram relatadas no livro e que seriam menos relevantes para a trama do filme se apresentadas integralmente, mas nem por isso descartáveis.

O enfoque do roteiro de Roos e Frank é bastante adequado pois não se limita apenas às peripécias do cão e as dificuldades de seus donos em educá-lo, mas abrange o desenvolvimento de boa parte da vida do casal Grogan. Por exemplo: é triste perceber que John nem sempre esteve satisfeito com aquilo que tinha em mãos, sempre buscando melhorar de vida sem desagradar os que o cercavam, o que nem sempre se mostrava uma satisfatória decisão. Sebastian, o amigo de John, não é um personagem gratuito por isso, já que sempre esteve fazendo o que quis, conquistando tudo aquilo que John sonhara, mas nem por isso é mais feliz que ele. Pelo contrário: quando ambos se encontram depois de muito tempo separados, John percebe que não trocaria sua família pela vida que o amigo leva (fato que inteligentemente fica implícito no filme). Os conflitos do casal também são exibidos sem muitos artifícios, assim como o nascimento de seus filhos e todas as adaptações necessárias para que a família siga vivendo.

Não conheço John Grogan e tão pouco vi alguma entrevista do mesmo para saber como ele é, mas Owen Wilson nunca deixa de ser Owen Wilson nos papéis que representa, por tanto a imaturidade do ator acaba comprometendo sua caracterização como o dono de Marley. O personagem se mostra tangível em boa parte da película, mas quando sua vida passa a mudar, também com a chegada dos filhos, ele simplesmente não se desenvolve, o que não o deixa permanecer crível. Já Jennifer Aniston se sai melhor nessa questão, criando Jenny como uma mulher forte que abdica de sonhos antigos por sua família. Curioso mesmo é perceber que nenhum dos dois atores foi caracterizado para se assemelhar mais aos donos de Marley, estando ambos exatamente iguais ao que são na realidade e como aparecem na maioria das produções que protagonizam. Ainda no elenco se encontra Alan Arkin como o editor chefe do jornal em que John trabalha, responsável pelas melhores piadas do filme. Eric Dane, que interpreta Sebastian, repete exatamente seu papel como o Dr. Sloan da série Grey’s Anatomy, um mulherengo bem sucedido que serve como amigo do personagem principal.

Marley e Eu é isso, uma produção comercial que tem seus erros ofuscados por vários acertos. Longe de ser um grande filme ou uma obra obrigatória, a comédia dramática vale ser vista por agradar facilmente, pelo tom leve com que se desenvolve e por relatar com veracidade o relacionamento entre humanos e animais. Se você já teve um bichinho de estimação fica impossível não se identificar com John ou Jenny, uma vez que ambos se mostram extremamente prejudicados pelo bagunceiro Marley, mas mesmo assim não conseguem deixar de gostar do querido animal.


Nota: 7,0
Publicado originalmente em
www.cineplayers.com

Crítica: Sete Vidas

Direção: Gabriele Muccino
Roteiro: Grant Nieporte
Elenco: Will Smith, Rosario Dawson, Woody Harrelson, Barry Pepper, Michael Ealy, Elpidia Carrillo.

Will Smith retoma a parceria com o diretor italiano Gabriele Muccino, após trabalharem juntos no drama À Procura da Felicidade, e aposta mais uma vez em seu talento dramático para interpretar Ben Thomas, funcionário da Receita Federal que decide ajudar a sete estranhos para se redimir de erros do passado.

Smith é um caso interessante do ator que cresceu tanto nos últimos tempos que tornou seu nome em sinônimo de bilheteria. Dois de seus últimos filmes, Eu Sou a Lenda e Hancock, arrecadaram tamanha quantia que é mal foram lançados e já se ouvia menções a seqüências, ou prequels, no caso do primeiro filme citado. Indicado ao Oscar por Ali e por À Procura da Felicidade, não é de se estranhar que Smith continue a aceitar papéis dramáticos, mas as indicações ao grande prêmio não garantem necessariamente a qualidade no desempenho de Smith em seu último filme.

E o trabalho razoável do ator em Sete Vidas é apenas uma de suas várias irregularidades. Escrito por Grant Nieporte, roteirista que tem dentre seus trabalhos episódios da série televisiva ‘Sabrina’ (sim, a série da bruxa adolescente, que nada tem a ver como filme homônimo de Billy Wilder), o roteiro do drama é o que mais deixa à desejar, uma vez que opta por sua desconstrução e a utiliza como forma de intrigar o espectador. Nieporte guarda muitas informações para o final de sua história, sendo uma delas a real intenção de seu protagonista por trás de suas ações, o que não garante que espectadores mais atentos não possam ir resolvendo as questões levantadas com antecipação, assim deixando a resolução do filme apenas previsível.

Se Smith por sua vez se esforça demais para ter uma atuação memorável, mas consegue parecer apenas descomedido em sua caracterização, duas interpretações valem o filme e até surpreendem, de maneiras diferentes: Rosario Dawson, bela atriz que nunca teve um papel suficientemente forte em suas mãos, faz de Emily Posa o grande destaque do filme, carregando sozinha todas as cenas que divide com o protagonista. Em contrapartida, Woody Harrelson, que já desperdiçou grandes chances de se mostrar um brilhante intérprete, desenvolve Ezra com simplicidade, impressionando por sua sagacidade ao desenvolver o introspectivo cego. A cena em que Harrelson e Dawson se encontram, no derradeiro final da produção, longes do pretensioso Smith, é um dos melhores momentos que o filme conseguiu desenvolver.

Se não quiser estragar uma possível surpresa, sugiro que pule para o próximo parágrafo.
A mensagem principal de Sete Vidas acaba por ser seu grande trunfo e, mesmo que não seja apresentada de forma completamente satisfatória, é um dos poucos pontos positivos do longa. A campanha no filme sobre a importância da doação de órgãos é o que se destaca, quando são apresentadas ao final da projeção as ações tão altruístas que o personagem de Smith tem ao longo da trama.

Apenas outro nome na produção, Gabriele Muccino não se faz notar em nenhuma cena do filme em particular, por desenvolver seu trabalho de forma demasiadamente simples e nada inspirada. Resta agora esperar pelos novos trabalhos de Smith e ver se ele é um dos grandes atores que aprende com seus erros, ou é daqueles que não se importa com os mesmos, contanto que continue atraindo milhões de pessoas para as salas de projeção, em filmes que colocam seu nome em tamanho proporcional ao título dos mesmos.


Nota: 5,0
Postado originalmente em
www.cineplayers.com

domingo, 14 de dezembro de 2008

Capitu

Segunda parte do projeto Quadrante, que tem como meta realizar duas microsséries por ano baseadas em talentos regionais da literatura brasileira, Capitu é, sem dúvida, superior à primeira adaptação, A Pedra do Reino. Não quero com este comentário dizer que houve claro amadurecimento narrativo, ou algo que o valha, depreciando a obra anterior. Também não quero que, aquele que se põe a ler, pense que não gosto desta adaptação televisiva do mítico livro de Ariano Suassuna. Muito pelo contrário. Sou um dos poucos que a defende, dizendo que, a minissérie (ou microssérie, como se chama por aí, afinal tem somente cinco episódios) foi uma das coisas mais criativas e inventivas que surgiram na televisão aberta brasileira nos últimos tempos. Alguns reclamaram do estilo teatral, do uso excessivo de alegorias e do hermetismo do trabalho de Luiz Fernando Carvalho, cineasta dono de um olhar muito particular, injustamente pouco reconhecido. A Pedra do Reino era instigante, nos restituiu o direito ao pensamento, à reflexão sobre uma obra audiovisual apresentada no maior disseminador da cultura de massa deste país (não por menos, uma das maiores redes de televisão do mundo), sem contar que nos enchia os olhos pelo visual apuradíssimo. Então, porque digo que Capitu, releitura do famoso Dom Casmurro de Machado de Assis, consegue ser ainda melhor?

Bem, a começar pelo próprio material a que se reporta como origem. O texto machadiano é riquíssimo (não que o de Suassuna não fosse, distante disto), e foi preservado na sua transposição às telas. Na verdade digo estas coisas baseado mais em informações, do que na opinião, já que não li (eu sei, vergonha) o famoso livro de Machado e muito menos o de Ariano. Não pense também que a fidelidade da qual falei, é uma prova da subserviência de Luiz Fernando à obra original, pelo contrário. Talvez seja a releitura o que faz de Capitu um êxito e, provavelmente, isto aponte uma direção para os que acham impossível transformar em imagens, grandes obras literárias. A servidão não é bem-vinda, a reverência sim e um diretor que sabe reverenciar sem apequenar suas intenções é mais bem-vindo ainda.

Se há os que se incomodam com o rock 'n' roll que embala a história, com os elementos que ligam a época ao nosso tempo, conferindo-lhe atemporalidade, ou os que acharam “um pouco demais” a intérprete da adolescência de Capitu ser tatuada, eu sinto muito, e falo isto sem medo de parecer pedante ou mesmo arrogante. Não é uma questão de saber ou não apreciar uma obra, é mais uma questão de aceitação, de se permitir outras leituras, outros formatos que não sejam tão quadráticos e, por vezes, errôneos em sua servidão cega e surda.

O êxito de Capitu não é obra de um homem só, e nem poderia ser. Confesso, porém, que se tivesse de dar crédito à apenas um homem por este trabalho magnífico, o daria a Luiz Fernando Carvalho, pelo apurado senso estético, por ter escolhido um elenco afinadíssimo e, principalmente, por não ter medo do novo, por não temer mexer com as concepções perceptivas de um povo acostumado à Donatelas e Floras, típicas personagens que ilustram o maniqueísmo e a falta de originalidade que infestam o horário nobre. Mas, não comparemos Capitu às novelas ou mesmo às séries mais tradicionais que acabam criando esta pasteurização narrativa que limita a aceitação de muitos e empobrece a percepção. Ao invés de aprofundar a comparação desleal entre a microssérie e outros formatos televisivos vigentes, permito-me uma travessura, a de romper com o combinado e eleger mais um destaque individual: Michel Melamed. A figura que ele interpreta, a do narrador Casmurro que acompanha e revive sua vida pregressa, ao tempo em que a escreve num livro de memórias é, com o perdão do joguete de palavras, memorável.

Só espero que o projeto Quadrante siga nesta toada e que, nem mesmo os baixos níveis de audiência, tirem de Luiz Fernando Carvalho a liberdade para continuar, através do lúdico e da narrativa que estabeleceu, nos brindando com programas tão necessários e enriquecedores. Parabéns também à Globo que, finalmente, está dando sentido ao chamado “padrão Globo de qualidade”, mesmo que timidamente.