domingo, 13 de junho de 2010

Central do Brasil

A tour de force de Fernanda Montenegro em Central do Brasil poderia muito bem ser o grande motivo de sucesso cinematográfico deste que é um dos maiores filmes brasileiros, pelos menos das últimas décadas, indiscutivelmente. A entrega física de Fernanda, que se despe de qualquer vaidade para dar lugar a Dora, é emocionante. Dora é humana, e isso faz com que o trabalho de Fernanda seja impressionante, pois não é fácil para uma atriz com a exposição que ela tem, sumir, dando pleno lugar à personagem. Cremos em Dora, só depois lembramos que ela é Fernanda. A simbiose com o então estreante Vinícius de Oliveira é total, e a dependência mútua de seus personagens só poderia ser tão bem evidenciada como foi, tendo em cena uma atriz como Fernanda Montenegro, e um diretor tão hábil e sensível quanto Walter Salles, para mim, o maior motivo (e sua grandeza não diminui os outros fatores) pelo qual Central do Brasil é grande.

Filmado com extrema perícia, o filme que foi amplamente discutido e premiado, não somente no Brasil, mas, e, principalmente fora dele, demonstra o esmero de Salles com a técnica e a forma. Walter preocupa-se, porém, mais claramente com os personagens, com sua evolução durante a jornada, que toma como caminho principal as estradas entre o sudeste e o nordeste, numa espécie de volta ao sertão, o caminho inverso do que, por exemplo, muitos migrantes nordestinos fizeram, ao buscar melhores oportunidades no centro do país. É como se o retorno fosse necessário para sublinhar a necessidade de se buscar a raiz, como forma de estabilidade emocional, não somente para Josué que almeja o pai que nunca conheceu, mas também para Dora, que se não volta ao lugar de concepção, projeta na busca do menino sua chance de humanizar as próprias emoções, de tatear seus sentimentos em busca de um reencontro consigo mesma.

Tudo isto, os solitários se ajudando à procura da felicidade, nem que seja de apenas um deles, evidenciado ainda na participação de Othon Bastos, outro monumento das artes dramáticas, é reforçado pelo deslocamento, pela angústia, pelas provações que Dora e Josué passam para alcançarem seus objetivos. Vemos ecos de De Sica e seu Ladrões de Bicicletas quando Dora rouba, quando sacrifica sua própria figura para que a de Josué fique imaculada. A necessidade faz a ocasião, mas Dora preserva o menino, já que ele possui um futuro. Pelo menos é assim que ela o vê, como alguém que pode ser e ter o que ela não foi capaz de ser e nem ter. Outras referências/reverências aparecem ao longo do filme, e isto não é nada estranho quando temos na direção alguém que além de gostar, entende muito de cinema.

Central do Brasil utiliza ainda elementos regionais, que dão maior personalidade e raiz ao filme, mas que, pelo tratamento aos personagens, não o limita aos rótulos deste regionalismo, que é utilizado como elemento de caracterização, não como entrave para audiências estrangeiras. Esta bem poderia ser uma história passada em qualquer parte do mundo, mas isto não quer dizer que cada quadro não seja genuinamente brasileiro, rememorando, inclusive nas palavras do próprio Salles, o sertão visitado em tempos idos pelos cinemanovistas, em especial por Nelson Pereira dos Santos, no aclamado Vidas Secas. A comparação não diminui em perspectiva o grande Vidas Secas, pois ambos são retratos pungentes e, mesmo que distintos em abordagem e separados pelo tempo, de alguma maneira, complementares ideologicamente.

2 comentários:

  1. Olá, Celo!
    Sempre gratificante termos ao menos uma lembrança de produções tão importantes aqui no blog.

    Abraçosss

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  2. Também tenho que rever "Central do Brasil", o assisti há tanto tempo que apenas me lembro do que o filme me causou, mas não recordo dele em totalidade... Acredito que terei impressão parecida com a sua!

    Abraços Celo.

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