quinta-feira, 31 de maio de 2012

Os Mortos-Vivos e o efêmero


Exibido no último Festival de Tiradentes, e recém selecionado para a Semana dos Realizadores do Festival de Cannes, Os Mortos-Vivos é curta-metragem que flerta com o sobrenatural, o fantástico. Começa narrando a história de um homem que perdeu sua paixão, quando junto dela tomava banho. Nada de extraordinário, apenas acidente caseiro que infelizmente pode abater qualquer um. Sucedem-se histórias de amores fugazes. Pessoas somem, outras ficam a remoer os envolvimentos efêmeros de rastros desproporcionais.

Ainda que Os Mortos-Vivos possua belos enquadramentos, seja inteligente no trato do som,  se insira corajosamente na difícil tradição da abordagem fantástica, e guarde frescor pela observação de certos aspectos característicos da mocidade contemporânea, não há porque fechar os olhos às suas capitais inconstâncias. E a principal delas diz respeito justamente à utilização meio fútil do inexplicável, elemento que adorna o plano narrativo, mas não o define.

No fim, entre mortos e feridos, sobram a inércia dos que perderam o (grande?) amor, presos numa espécie de vácuo sentimental próprio dessa geração de carentes incorrigíveis, e a sensação de que Os Mortos-Vivos foi realizado por gente talentosa, porém carente da maturidade necessária aos que brincam com fogo e não se chamuscam.


Publicado originalmente no Papo de Cinema

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Convite: Sessão Comentada "O Artista"

Já assistiu a "O Artista"?

O filme será exibido de hoje (24) a domingo (27) na Sala de Cinema Ulysses Geremia (Rua Luiz Antunes, 312 – Panazzolo | Caxias do Sul / RS). A sessão de domingo, com início marcado para as 20h, terá entrada franca, e será comentada posteriormente pelo crítico de cinema Marcelo Müller e o publicitário Rafa Müller, ambos do “The Tramps”.

Não perca.

The Tramps Entrevista: Humberto Pereira da Silva


A conversa de hoje é com o crítico Humberto Pereira da Silva, a quem aproveito para agradecer pela valiosa contribuição. 

Humberto estudou filosofia e é professor universitário na FAAP (FUNDAÇÃO ARMANDO ALVARES PENTEADO), onde leciona filosofia, ética e crítica. Escreve sobre cinema desde 1998. Nesse período, publicou críticas e ensaios sobre cinema em revistas impressas, Revista de Cinema e Sinopse, e revistas digitais, Trópico, Filmes Polvo e Digestivo Cultural. É autor do livro "Ir ao cinema: um olhar sobre filmes" (Musa Editora) e escreveu um perfil biográfico de Glauber Rocha, que aguarda publicação.

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• Como nasceu em você a paixão pelo cinema?
Durante a infância, antes de completar quatorze anos no final da década de 70, eu vi muitos filmes na TV. Eu acompanhava pelo jornal a programação diária, lia as sinopses dos filmes, me familiarizava com informações, com o nome de diretores, estúdios, ano de lançamento de um filme. Ficava até tarde da noite para ver um western. Audie Murphy era meu ator favorito. Aguardava ansiosamente, também, os filmes de Tarzan, principalmente os estrelados por Gordon Scott. Além de western e Tarzan, tinha fixação por seriados como “Roy Rogers”, “Zorro” e “Túnel do Tempo”, comédia slapstick, “O Gordo e o Magro”, Chaplin. Por volta dos quatorze anos, ainda na TV, comecei a ver filmes japoneses, Kurosawa, e italianos, Rossellini, que passavam no começo da madrugada na extinta TV Tupi. Minha paixão pelo cinema nasceu com a TV. Num tempo em que não havia vídeo cassete, eu via muita televisão, três ou quatro filmes por dia.

• Qual é o sentido de ser crítico nos dias de hoje?
Veja que não só via muitos filmes como também lia sobre cinema. Causa-me incômodo ouvir as pessoas falarem de filmes, mas não terem ideia do que foi escrito sobre eles, nem qualquer preocupação com informações sobre diretores, produção etc. O crítico, em qualquer forma de expressão artística, abre espaço para discussão, para que, no caso do cinema, um filme não fique confinado ao mero entretenimento. Ontem, como hoje, o sentido do exercício crítico é se servir de mediação entre a obra e o público, oferecer perspectivas de percepção que escapam ao olhar menos atento. Num sentido mais amplo, a crítica tem o papel de iluminar detalhes despercebidos e não se confinar à expressão de subjetividades. Gosto pessoal, para mim, não tem qualquer importância, quando alguém se dispõe a fazer crítica, e sim saber como um filme é refletido. É nesse instante que a questão de gosto sai da esfera da subjetividade e abre espaço para a discussão do valor de um filme como objeto artístico e cultural.

• Qual sua posição frente a nova crítica de cinema, que germinou na era dos blogs e das revistas virtuais?
Eu sou entusiasmado pelas possibilidades criadas pela internet. Blogs e revistas virtuais são expressões de nosso tempo. É preciso ter isso em vista em qualquer discussão sobre esses meios de comunicação. Hoje pessoas de talento não podem dizer que não têm espaço para se expressar. Ocorre que a internet abre possibilidades praticamente ilimitadas. Com isso, um risco muito grande de dispersão. Não é possível minimamente acompanhar o que acontece. Se eu ficar boa parte do dia na frente do computador, vou achar um blog ou uma revista interessante que desconhecia. Com isso, é inevitável que me escape muito do que essa nova crítica possa escrever de interessante. Agora, a esse respeito vale também fazer uma ressalva: o espaço virtual dá margem a que se escreva muita bobagem. Abrir um blog desconhecido é sempre um risco.

• Como vê o academicismo de certas linhas de pensamento na crítica cultural? Acredita que a dissecação de um filme, tornando a análise o mais objetiva possível, tende a enfraquecer a importância da análise subjetiva?
A crítica de cinema em jornais e revistas é um trabalho rápido, a partir do contato imediato com o filme. Nesse trabalho conta a experiência, condicionamento para perceber imagens e formar juízos, lastro cultural para fazer matizes apropriados, certa intuição para perceber sinais. Enfim, é um trabalho de risco, pois feito no calor da hora. Por isso, acho fundamental que o crítico expresse uma visão geral sobre como entende o cinema. Assim, fica claro o que para ele é importante no cinema. Saber como um crítico pensa me leva a entender as razões que o levam a gostar ou não de um filme. As bobagens que vejo em blogs invariavelmente ocorrem quando percebo que quem escreve vê um filme como tabula rasa. Quanto à análise feita em âmbito acadêmico, o que tenho a dizer é que é outra esfera de atuação. Dissecar um filme, fazer análise estrutural, semiótica, é um trabalho árduo, de longo tempo, nenhum pouco intuitivo, com jeito de que se está diante de um experimento científico. Mas necessário, pois a crítica rápida em jornais e revistas, pela sua natureza, passa ao largo das questões de fundo que muitos filmes propiciam. Um filme como “Persona”, de Ingmar Bergman, não tem como ser esgotado num texto para amanhã.

• Quais são seus críticos de cinema favoritos? Os de outrora, que influenciaram ou ainda influenciam seu trabalho, e os de agora, que acredita sustentarem com talento a causa da crítica de cinema.
Tenho predileção pela crítica francesa. Aprendi muito com Alain Bergala, Jean-Michel Frodon, Serge Daney entre outros; hoje, leio com prazer Jean-Philipe Tessé. Não aprecio a crítica americana. Leio Pauline Kael ou Jonathan Rosenbaum e não me afino com a visão de cinema que exibem. Ainda que tenham “sacadas” interessantes, no geral suas críticas não servem de referência para eu compreender o valor de um filme. No Brasil, dos antigos o que mais me estimula é o José Lino Grünewald; hoje os críticos mais lúcidos e inteligentes são o Luiz Zanin e o José Geraldo Couto: lê-los me faz pensar.

• É célebre a história de Antonio Moniz Vianna parou de escrever quando da morte de seu maior ídolo, John Ford, pois acreditava que nada tinha mais a acrescentar como pensador diante da crise criativa contemporânea. Qual diretor cuja morte já lhe provocou semelhante desalento?
John Ford morreu em 1973. Moniz Vianna fechou os olhos para grandes obras de Andrey Tarkovski, Wim Wenders, Werner Herzog, Theos Angelopoulos; ele não viu “Barry Lyndon” (1976), de Stanley Kubrick, para ficar nesses nomes dos anos 70. Quando vejo Bella Tarr, Apichatpong Weerasethakul, Nuri Bilge Ceylan sinto o quanto de bobagem se pode sustentar com o slogan “crise criativa”. Moniz Vianna tinha os olhos fechados para certo tipo de cinema. Não por acaso, não enxergou Glauber Rocha: numa lista dos dez melhores filmes brasileiros, coloca “Deus e o Diabo” em décimo; na sua frente, dois filmes de Jorge Ileli, “Amei um bicheiro” (1953) e “Mulheres&Milhões” (1961). A história do Moniz Vianna é triste para alguém que exerceu como ele a crítica de cinema. Não o tomaria por exemplo.

• A perda de espaço de textos críticos nos veículos impressos é sintoma da falta de interesse público, ou a busca ávida dos veículos pela adequação a tempos de pouca reflexão?
A pergunta sugere que antes havia mais interesse público pela crítica de cinema, logo maior espaço nos veículos impressos. O espaço encolheu, nisso reflexo de um tempo com pouca paciência para reflexão: vivemos a época da objetividade sem objetivo. Mas, veja, a pouco falei da imensa proliferação de blogs e revistas virtuais. Seria contraditório agora dizer que há falta de interesse quando muitos que antes eram apenas leitores agora escrevem. Quer dizer, são situações bem diferentes, meios e motivações diferentes. Mas, sinceramente, não creio que o público que antes lia crítica de cinema fosse maior e mais interessado que o de hoje. O que havia, sim, era uma disposição maior para um texto longo.

• Discutir "comércio versus arte" ainda é válido quando percebemos qualquer cinematografia?
Cinema, todos sabem, envolve muito dinheiro. Não é fácil colocar um filme cartaz, como se diz. O filme mais barato envolve captações, todo um jogo de convencimento sobre sua viabilidade comercial. Não é possível pensar o cinema fora dos contornos da indústria cultural, tema caro ao filósofo frankfurtiano Theodor Adorno. Esquecer que um filme se insere no mercado, uma forma mercadoria, portanto, é ingenuidade. A discussão sobre bilheteria, política de captação de recursos, quantidade de filmes produzidos e lançados anualmente no circuito têm esse viés. Agora, um filme pode não se destinar exclusivamente à satisfação no jogo com penduricalhos que circulam no mercado. Como em outras formas de expressão artística, o cinema lega obras que marcam, assinalam um momento na história cultural. “Carlota Joaquina” (1995), da Carla Camurati, nas circunstâncias, foi bem sucedido no jogo do mercado, mas hoje nós nos lembramos dele porque foi um marco na chamada Retomada do cinema nacional. O que creio ser importante separar é o viés meramente mercadológico dos sinais que indicam por que um filme pode ser lembrado no futuro. Mais, se a discussão se restringir a bilheterias, agradabilidade do público, perde-se de vista o cinema como expressão artística e veículo que transmite a cultura de uma época.

• Como vê o cinema brasileiro atual?
Há uma preocupação indisfarçável de muitos produtores, diretores em inserir seus filmes no mercado, buscar bilheteria, firmar-se, enfim, conforme as exigências de produção em escala industrial. É esse o sentido que creio devem ser entendidas comédias recentes como “Agamenon”, “Reis e Ratos”, “Billi Pig”, mesmo “O Palhaço”, do Selton Mello, ou poucos anos atrás “Os Normais”. Essas comédias, interessante observar – falávamos antes de espaço –, ocupam uma atenção razoável da crítica. Além das comédias, insiro nessa lista o recente “Xingu”, do Cao Hamburger. Mas vale notar que há outro tipo de cinema que, para mim, ainda não tem merecido a devida atenção. Refiro-me ao que fazem diretores como Cao Guimarães, Thiago Mata Machado, Sergio Borges, Erik Rocha. Essa, digamos assim, uma geração com propósito ousado, sem preocupação primeira com bilheteria, que circula em festivais importantes e que exige um olhar menos imediatista. O que fizeram até aqui me entusiasma. Para mim é o que há de melhor no cinema brasileiro atual.


Publicado originalmente no Papo de Cinema

domingo, 20 de maio de 2012

Hitchcock em Pulp Fiction

Certos filmes são fatias de vida, os meus são fatia de bolo.

Há como discordar da máxima de Alfred Hitchcock? Como admirador incondicional da filmografia do diretor e, porque não, de sua excêntrica figura, constantemente sou surpreendido ao me aprofundar em sua biografia e carreira cinematográfica - o que também faço pelo meu trabalho de conclusão de curso, que tem como foco a imagem midiática e as marcas do cineasta.

Constantemente me deparo com algo excepcional que marcou a vida ou a obra de Hitchcock e sinto o ímpeto de compartilhar com quaisquer outros de seus admiradores, porém me limito a empregar a descoberta como uma  nova referência ao meu trabalho acadêmico. No entanto, ao encontrar algumas das incríveis capas dos livros lançados sob o selo Alfred Hitchcock Presents, clássicos exemplares do gênero pulp fiction, senti a obrigação de reproduzi-las aqui. 










Incrível, não?

sábado, 19 de maio de 2012

Pra Frente Brasil, que pra trás não dá mais


Enquanto alguns teimam em relativizar o horror instaurado nos tempos da ditadura, volta e meia surgem novos capítulos desse passado brasileiro que não se deve esquecer, pois é importante à memória da nação. Nesse sentido, como exemplar fílmico de recorte histórico, Pra Frente Brasil assume expressivo papel de exumação, uma vez que captura inúmeros espectros da época citada. No lugar e hora errados, Jofre, na trama, é tido como possível comunista e levado aos porões onde a tortura era método para fazer inocentes e “culpados” falarem. Seu irmão Miguel e sua esposa Marta tentam encontrá-lo pelos meios legais, mas esbarram na dificuldade imposta pela polícia conivente, a mando das artimanhas ditatoriais.

O diretor Roberto Farias resgata o específico momento em que as desventuras da seleção brasileira de futebol por terras mexicanas, então à caça do tão sonhado tri-campeonato em 1970, serviram tal cortina de fumaça às barbáries militares na luta contra os “subversivos”. De início, teme-se que Pra Frente Brasil utilize como muleta essa relação entre a campanha do escrete canarinho e a caótica conjuntura político/social. Porém, felizmente, há emprego sábio e parcimonioso da justaposição, até mesmo como reforço de outros aspectos relevantes: o exílio, os colaboracionistas, as conivências, os desaparecimentos e as mortes que impeliram mancha indelével à bandeira que clama por ordem e progresso.

Tendo em mente a significância do famigerado período, é duro constatar a ineficácia da cinematografia nacional em explorá-lo satisfatoriamente. Pra Frente Brasil se distingue nesse cenário pela habilidade no retrato de um país sob cabresto, e a capacidade de ser fração elucidativa do todo, esse de difícil entendimento absoluto. Ao mostrar Jofre, Roberto Farias se refere aos torturados inocentes, assim como ressoa na luta particular de seus outros personagens a batalha dos marcados pelos anos de chumbo. E no país do futebol, enquanto o capitão Carlos Alberto Torres alçava a taça Jules Rimet, símbolo da glória brasileira no exterior, aqui corria sangue, se disseminavam o sofrimento e a coerção social, vergonhas nacionais marcadas para sempre na história deste país varonil.


Publicado originalmente no Papo de Cinema

domingo, 13 de maio de 2012

Artigo: Semiótica e Ambiguidade no Cinema de Leni Riefenstahl


Ainda em 2010 tive o desafio de escrever um artigo científico, com a supervisão da Profª Mª Tassiara Baldissera Camatti, no qual discorresse sobre semiótica e um tema de interesse próprio. Com base na teoria de Jan Mukarovsky sobre as funções da arte e o cinema da cineasta alemã Leni Riefenstahl como estudo de caso, desenvolvi o artigo Semiótica e Ambiguidade: Funções Práticas e Estéticas da Arte no Cinema de Leni Riefenstahl, que foi selecionado e apresentado na 12ª edição do congresso Intercom Sul em maio de 2011. 

Agora disponibilizo o artigo na íntegra, com a intenção de que ele sirva de alguma forma para possíveis interessados. 

Resumo:
Tão logo o cinema passou a ser visto como uma ferramenta comunicacional e a ser considerado uma arte, também se percebeu seu poder de persuasão para com a massa. Uma infinidade de filmes de propaganda foram lançados, usufruindo de diversos recursos narrativos e estéticos a fim de transmitir mensagens bastante parciais a seus espectadores. Quando Leni Riefenstahl se tornou a cineasta oficial de Adolf Hitler, muitos questionaram se sua produção cinematográfica era meramente propaganda ou se possuía valor artístico. O presente artigo procura pela resposta de tal questão e, ao fazer uso das teorias da linguagem do cinema e da semiótica que explora a estética e sua significação na arte, analisa a ambiguidade presente no cinema de Riefenstahl pelo ponto de vista de sua significação estética e do inegável cunho social e partidário.

Você pode acessar o artigo completo clicando aqui.

sábado, 12 de maio de 2012

Cinema ou A Novela das 8?


Eleito melhor roteiro no Festival do Rio 2011, A Novela das 8 é “vendido” como homenagem à Dancin Days, sucesso de Gilberto Braga que trouxe a discoteca para o Brasil então coagido pela ditadura Ernesto Geisel.  Tal movimento canhestro visa apenas atrair os fãs da trama pretérita ao cinema do presente, já que, propriamente como recurso narrativo, a aproximação resume-se a uma citação aqui, outra bem acolá.  O filme foca-se nos árduos anos de chumbo e na coletividade que, em busca de escapismo, arrendava sua atenção ao ritmo e aos brilhos do horário nobre. Mas que não se espere qualquer apontamento mais ferino acerca da miopia provocada pelo folhetim global.

Dora é ex-militante e trabalha como empregada doméstica da prostituta Amanda. Num revés próprio à estrutura novelesca e seus artificialismos, ela identifica um dos clientes da patroa como seu algoz de idos tempos e, logo após matá-lo, foge com a chefa feita inadvertidamente cúmplice. As coisas vão evoluindo (ou seria involuindo?), e entram em cena diversos personagens possivelmente retirados de algum arcabouço de lugares-comuns: o torturador caricaturalmente vilanesco, o filho que nada sabe dos pais (representante da inocência), os capangas arrependidos, os guerrilheiros “mocinhos”, etc. Pílulas de pseudo-incorreção surgem na forma de palavrões, sangue, beijo gay, entre outras manifestações banalizadas e superficiais, pois destoantes do itinerário narrativo percorrido pela fábula.

De dramaturgia esvaziada, A Novela das 8 ainda padece de decupagem e encenação pouco inspiradas. E para que não se fale em desastre total, há certa simpatia na representação exagerada de Vanessa Giácomo, essa, porém, tampouco aproveitada a contento pelo diretor Odilon Rocha, num rocambole repleto de figuras rasas e desenvolvimentos condizentes com tal profundidade. Quem for ao cinema em busca de elaboradas alusões a Dancin Days terá ingrata surpresa, bem como os que confiam resultar da justaposição “novela/ditadura” um substrato crítico mais espesso. Sem dúvida que há boas intenções em A Novela das 8, principalmente na reabertura de velhas feridas, mas como bem se sabe, a morada do capeta está repleta desses intentos que não dão em nada.


Publicado originalmente no Papo de Cinema

domingo, 6 de maio de 2012

A Árvore do Amor e a poética dos enamorados


Em A Árvore do Amor, durante a revolução cultural promovida na China a partir de 1966, pelo então líder Mao Tsé-Tung, a estudante ginasial Jin é enviada para reeducar-se no campo, assim como tantos outros jovens privados da vida urbana em prol do ideário comunista. Recebida numa família que a trata como filha, ela conhece, em meio a histórias do estranho espinheiro que dá flores vermelhas, seu grande amor, um oficial da estação geológica operacional na cercania. Sun é esse homem, filho de gente influente no partido (garantia de vantagens). Jin, por sua vez, é de família posta à margem pelas convicções políticas de seu patriarca, direitista encarcerado.

Mais conhecido do grande público por seus épicos wuxia (gênero chinês por excelência que mistura fantasia e artes marciais) o diretor Zhang Yimou reconstrói em A Árvore do Amor um importante período da história chinesa, marcado por transformações políticas e sociais, onde ambienta esse melodrama repleto de belas paisagens e propenso a lágrimas. Nele, o envolvimento da menina que necessita mostrar retidão se quiser abraçar a carreira professoral da mãe, com o jovem feito anjo da guarda pelo amor incondicional sentido. O que poderia desenrolar-se facilmente como versão oriental de Romeu e Julieta, afinal Sun e Jin são filhos de homens ideologicamente contrários, felizmente nem sequer resvala nesta aproximação com a obra do bardo.

Se há pecado em A Árvore do Amor é sua duração, pois aqui e acolá a contemplação excede-se ligeiramente. No entanto, isto não enfraquece substancialmente a beleza do relacionamento construído entre encontros fortuitos, pequenas espiadelas, olhares ávidos e a vigília típica dos enamorados.  Registrado num tom próximo ao sépia, tal fotograma envelhecido, A Árvore do Amor ainda sorve graça da paisagem campestre que lhe serve de cenário máster. Mas o filme de Zhang Yimou emociona mesmo é pela poética quase inocente desse amor jovial, espécime tão raro em tempos turbulentos quanto o florescimento em vermelho do espinheiro que, por natureza, deveria enriquecer-se em alvas flores.


Publicado originalmente no Papo de Cinema