segunda-feira, 30 de julho de 2012

Pílulas de Shame


Deu-se melhor minha relação com Shame na segunda vez.

Consegui, finalmente, entender Brendon um pouco mais, captar a complexidade da obsessão sexual que esconde a profunda dificuldade de sentir, dar e receber amor.

Michael Fassbender está soberbo, assim como Carey Mulligan. São dois animais feridos por um passado ao qual não somos convidados participar. Melhor assim, fica-se na névoa que acentua o mistério benéfico à trama.

Mas algo ainda me segura. Quem sabe é a maneira como o filme se divide em duas partes distintas, ou certo desajeito de Steve McQueen em domar o sexo enquanto elemento. Não me entendam mal, ele filma bem, inclusive as ótimas e fortes cenas de sexo, mas é como se toda construção inicial da obsessão de Brandon, sua postura autodestrutiva e tudo mais, começasse a ruir de maneira desajeitada, descambando quase para algo meio moralista, à medida que a irmã influencia sua rotina. Ele precisava sentir vergonha do que é? Mas pode ser só uma impressão.

Há cenas belíssimas, na verdade várias delas. A versão New York, New York é mesmo de cortar o coração, o nosso e pelo visto também o de Brandon, que derrama aquela lágrima repleta de significados. Conversas rancorosas entre os irmãos também rendem um bocado de sequências inspiradas.

McQueen filma bem, repito, mas tem obsessão por controle, não dá respiros, sobretudo ao que se propõe tão humano e acaba hermeticamente fechado em belos/sufocantes planos.

Sobram metáforas e suposições, entre elas, o que teria sido de Shame, caso menos avesso ao imprevisível?

sexta-feira, 27 de julho de 2012

A agonia de Fausto


Um tanto desconcertante a versão de Fausto levada às telas por Alexander Sokúrov. Sobre a história, não é preciso da base literária para sabê-la, em linhas gerais, é claro: um homem vende sua alma a Mefistófoles em busca de poder e respostas existenciais sobre corpo e alma. Este Fausto adapta a famosa obra aos tempos da Idade Média, utilizando o entorno para, quem sabe, amplificar o périplo do doutor e de seu companheiro, um ser deformado, acometido de dores intestinais, sôfrego, porém dotado da astúcia conveniente aos preceptores.

Sokúrov reza pela cartilha de Andrei Tarkovsky, mas, a bem da verdade, eventuais comparações ao grande cineasta tendem a lhe desfavorecer. Enquanto o compatriota “esculpia o tempo” autoral e sensivelmente, Sokúrov, em Fausto, fica num meio termo incômodo, entre sua necessidade estética/pictórica e alguns momentos de rara inspiração, como a sequência da autópsia. Fausto possui ritmo estranho, deliberadamente truncado, não é um filme fácil. Mesmo chancelado pela conquista do Leão de Ouro no prestigiado Festival de Veneza de 2011, polariza opiniões.

Como genuíno artista, Sokúrov arrisca-se, e preconiza isso a seus colaboradores, vide a bela fotografia do francês Bruno Delbonnel (de O Fabuloso Destino de AméliePoulain), vertiginosa e de morfologia incomum. Ousa em apostar nas percepções de um público que, supostamente, precisa atirar-se para fruir. O risco merece recompensa, e dar outra chance a Fausto pode bem sê-la, pois, de cara, a exuberância visual e o fluxo narrativo soam desencontrados. Arte ou engodo? Mesmo sem garantias, talvez apenas a repetição nos faça gozar essa viagem marítima, sem tonturas, ambientados às torrentes revoltosas pelas quais navega a nau de Sokúrov. 


Publicado originalmente no Papo de Cinema

sábado, 21 de julho de 2012

Vinhas da Ira


Verter ao cinema Vinhas da Ira, livro emblemático de John Steinbeck, é tarefa compatível só a alguém do calibre de John Ford, provavelmente o maior inventarista em película da história norte-americana. Ele aborda a Grande Depressão (iniciada em 1929) através de uma família pastoril obrigada à itinerância quando despejada. Pessoas da terra – gente acostumada a nascer, criar-se e morrer no mesmo chão – os Joad embarcam num veículo caindo aos pedaços em busca de sobrevivência. E o primogênito, solto em condicional, ressurge para guiar os seus, enquanto lida com um sistema teimoso em achatar aspirações e tipificar. Acusado sazonalmente de patriotismo excessivo, de ser afeito a hagiografias, John Ford valeu-se em 1940 dessa exasperante passagem estadunidense para dar rosto e voz aos sobrinhos desamparados do Tio Sam.

Consecutivos dramas, dos Joan e observados por eles, formam a espinha dorsal do roteiro adaptado por Nunnally Johnson e orquestrado na tela por Ford, um dos maiores diretores do cinema (Ingmar Bergman o sustentava quão maior). Em Vinhas da Ira, ele parece capturar a essência literária, utilizando-a como motriz na articulação cinematográfica da fábula. Personagens de riqueza multifacetada, encenação clássica (no que o adjetivo tem de mais positivo) e o tom humanista, vez ou outra guia da obra fordiana, fazem do objeto desta análise um clássico atemporal. Há quem defenda interessante ponte entre Vinhas da Ira (livro e filme) e o Neo-Realismo Italiano, movimento cultural surgido na “Velha Bota” depois da Segunda Guerra Mundial. E alguém duvida, por exemplo, haverem ecos da mãe americana na progenitora de Rocco e seus Irmãos, do italiano Luchino Visconti?

Vinhas da Ira mostra os Estados Unidos da América desmantelando-se, constrói seu piso sobre desilusões não necessariamente comuns às obras financiadas por Hollywood, e acaba por dessacralizar o país, tornando-o mais factível para além das “belezas de exportação”. Emoldurados pela fotografia do grande Gregg Toland (um ano antes de seu vanguardista trabalho em Cidadão Kane), os personagens criados por Steinbeck são testemunhas e vítimas do entorno opressor, sentindo-se alentados apenas enquanto família, como partes indissolúveis da mesma alma. Somente um diretor monumental tal John Ford faria do derivado cinemático tão importante para seu gênero, quanto é o original para a literatura. 


Publicado originalmente no Papo de Cinema

sábado, 14 de julho de 2012

Alien - A Ressurreição


Após Ridley Scott dirigir Alien – O Oitavo Passageiro, verdadeiro clássico sci-fi/suspense/terror, James Cameron empobrecer conceitos na sequência Aliens – O Resgate, David Ficher “quebrar tudo”, inclusive negando claramente algumas ideias de seu antecessor, na terceira parte, Alien 3, ao diretor francês Jean-Pierre Jeunet coube continuar a série já desgastada por esse itinerário instável. Alien – A Ressurreição pouco lembra os célebres trabalhos que fizeram Jeunet badalado, está mais para encomenda duramente supervisionada, mesmo que guarde lá seus encantos.

O roteiro de Joss Whedon centra-se na engenharia genética. A Ellen Ripley vista é um clone, revivida 200 anos depois da heroica tentativa de extinguir os alienígenas - óbvia facilidade para tornar possível o seguimento duma franquia tão lucrativa.  A ciência, servente de beligerante propósito, não percebe limites e resgata, então, a última hospedeira, ela própria constituída de DNA humano/extraterrestre.  Alien – A Ressurreição é contemporâneo da ovelha Dolly, feito na efervescência de toda polêmica inicial acerca da clonagem. Certamente não é acaso o filme abordar, à guisa da realidade, matéria tão específica. Estúdios não dormem no ponto.

Alien – A Ressurreição é hesitante entre pertinentes discussões e a “necessidade” de oferecer ação frenética. Exemplos de subaproveitamento, os mercenários tripulantes da nave Betty, surgem apenas quão presas a serem abatidas sequencialmente, sem muito efeito dramático para além da pura coadjuvância. Mas daí, em meio à correria, surge algo verdadeiramente relevante. A dolorosa contemplação das tentativas que precederam o êxito na clonagem de Ripley é, sem dúvida, justa ao talento de um diretor como Jean-Pierre Jeunet, naquele instante, suponha-se, menos acossado por cobranças e cabrestos.

Há quem sentencie Alien – A Ressurreição como o pior dos filmes da quadrilogia (até aí questão de preferência), mas seria atestado de miopia taxá-lo “fracasso total”. Ainda que um tanto superficial, praticamente ignorando a mitologia erigida por Alien – O Oitavo Passageiro, o filme de Jeunet abre portas e passa ao largo da mediocridade. Numa realização visivelmente controlada por produtores tão gananciosos quanto os cientistas retratados, dos males os menores.


Publicado originalmente no Papo de Cinema

quarta-feira, 11 de julho de 2012

The Tramps Entrevista: Ismaelino Pinto


Ismaelino Pinto nasceu em Belém do Pará, é advogado e jornalista de formação. Foi videomaker nos anos 80, premiado em festivais como O Video Brasil, Festival de Vitória, Festival Guarnicê do Maranhão, Festival do Piauí, FestRio e outros. Organizou mostras de filmes e vídeos em Belém, como o Festival do Minuto, Cine-Vide Pará e foi programador do Cine Libero Luxardo. Durante doze anos apresentou na Cultura FM o programa "Lanterna Mágica", e na TV Cultura o "Curta Pará".

Também comentou cinema para a Rádio CBN/O Liberal, o Portal ORM e o Jornal Hoje, edição local, na TV Liberal (afiliada, TV Globo). Realiza cobertura dos principais festivais de cinema do país como: Gramado, Brasília, Cine PE, Guarnicê, Festival da Paraíba e outros. Atualmente é colunista do Jornal O Liberal, no Caderno Magazine - Variedades.

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• Como nasceu em você a paixão pelo cinema?
Meu pai era um apaixonado por artes. Íamos muito a cinemas, circos e teatros. E eu sempre tive uma fascinação muito grande por filmes, via todos que passavam na TV e ia sempre ao cinema pra ver tudo, até hoje faço isto.

• Qual é o sentido de ser crítico nos dias de hoje?
Mais do que um indicador de formas, sentidos e caminhos, acho que o critico de hoje tem o dever de abrir os olhos do leitor/espectador para detalhes que talvez passem despercebidos por conta da quantidade de informação que ele tem. O crítico deve ser o caminho para o espectador desvendar um filme.

• Qual sua posição frente a nova crítica de cinema, que germinou na era dos blogs e das revistas virtuais?
Vejo como algo normal. Hoje o público tem mais possibilidade de ver criticas e comentários dos filmes, antes restrito ao jornal e TV. Quanto mais, melhor !

• Como vê o academicismo de certas linhas de pensamento na crítica cultural? Acredita que a dissecação de um filme, tornando a análise o mais objetiva possível, tende a enfraquecer a importância da análise subjetiva?
Acho que existe leitor para todas as vertentes da critica. Existe o espectador da uma analise mais profunda, como aquele que quer algo mais leve. Vem daí a idéia de que "o que a critica gostou o publico não gosta", antes só existia a chamada "critica cabeça", aquela que muitas das vezes distanciava o publico dos filmes.

• Quais são seus críticos de cinema favoritos? Os de outrora, que influenciaram ou ainda influenciam seu trabalho, e os de agora, que acredita sustentarem com talento a causa da crítica de cinema.
Em Belém, Pedro Veriano, que é um dos maiores conhecedores de cinema que existe no norte. Sua esposa, Luzia Miranda, uma critica mais cerebral, digamos assim, pois é professora de dialética na universidade federal. Veriano me ensinou a olhar o cinema sempre com olhos de espectador comum, não perder a magia em si. Nacional, Carlos Merten me encanta pelo frescor do olhar, sempre há uma alegria de ver e ter cinema.

• É célebre a história de Antonio Moniz Vianna parou de escrever quando da morte de seu maior ídolo, John Ford, pois acreditava que nada tinha mais a acrescentar como pensador diante da crise criativa contemporânea. Qual diretor cuja morte já lhe provocou semelhante desalento?
Tantos. Acho errado qualquer tipo de radicalismo. Não podemos matar em nós o prazer e sempre ver. Os neorealistas me encantam sempre (Rosselini principalmente), gosto dos cineastas do leste europeu, dos russos, e principalmente de Fellini, que nunca deixou de ser um espectador mesmo sendo diretor. Mas chegar a dizer que pela morte de um eu deixaria de ver cinema, é muito forte!

• A perda de espaço de textos críticos nos veículos impressos é sintoma da falta de interesse público, ou a busca ávida dos veículos pela adequação a tempos de pouca reflexão?
Acho que a culpa pode vim da própria critica que se fazia antes, dura, radical, sem dar espaço para outras visões. Com isto os impressos endureceram. Quanto ao interesse publico, ele sempre existirá. Só acho que no Brasil não temos publicações boas pra cinemas. As revistas que haviam, que eram inclusive bastante fraquinhas, não sobreviveram. Hoje a web possui um papel fundamental pra critica de cinema.

• Discutir "comércio versus arte" ainda é válido quando percebemos qualquer cinematografia?
Acho que devemos discutir tudo. Só não podemos dissociar arte e mercado. Eles devem existir e para os dois existirem, um tem que ser independente do outro.

• Como vê o cinema brasileiro atual?
Sempre tenho a maior boa vontade com o cinema do Brasil. Não por pena, ou por levar em conta que devemos ser condescendente com nosso produto, mas porque temos um cinema forte, vigoroso. O chato, o errado, é a comparação.


Publicado originalmente no Papo de Cinema

sábado, 7 de julho de 2012

O plágio original de "Avatar"


A superprodução Avatar, aventura de ficção científica realizada por James Cameron, foi concebida por múltiplas referências ou a partir de uma coleção de plágios? Antes mesmo de ser lançado em 2009, o filme ganhou mídia por uma acusação do artista plástico chinês Daniel Lee, que alegou ver nos personagens protagonistas do filme similaridades com sua obra entitulada Manimals (figura à esquerda), que mescla figuras de animais com seres humanos. Quando Avatar estreou nos cinemas e quebrou todos os recordes de bilheteria, arrecadando mais de 2,7 bilhões de dólares mundialmente, a polêmica se intensificou, uma vez que o filme recebeu uma série de outras acusações de plágio – de comparações com a aventura de Mel Gibson Coração Valente (1995) à animação dos estúdios Walt Disney Pocahontas (1995).

Em uma compilação das principais alegações de plágio, a Revista Galileu aponta que a fotografia do filme assemelha-se a uma série de ilustrações do artista Roger Dean, que criou universos paralelos muito similares aos posteriormente apresentados pelo filme de Cameron. Os quadrinhos de Tom Yeates Timespirits possuem personagens igualmente parecidos aos extraterrestres apresentados em Avatar, que tem em seu enredo proximidades incontestáveis à narrativa da animação Pocahontas e ao roteiro do filme Dança com Lobos (1990), dirigido por Kevin Costner. Isso sem citar o livro Call Me Joe, de Poul Anderson, que possui a mesma premissa sobre um tetraplégico que se “conecta” a outro corpo para explorar um planeta hostil.

Ilustração de Roger Dean.

Entre os defensores do blockbuster de James Cameron, o principal argumento é o de que há diferenças explícitas entre os conceitos de plágio e inspiração – que realmente existem. Segundo o dicionário Houaiss, plágio constitui a “apresentação feita por alguém, como de sua própria autoria, de trabalho, obra intelectual etc. produzido por outrem”, enquanto o termo inspiração sintetiza a “pessoa ou coisa que inspira, estimula a capacidade criativa”. Assim, todas as acusações supracitadas são diretamente refutáveis, a partir da alegação de que não se tratam de um caso de plágio, mas sim de referências. Para a jornalista Anne Thompson, do portal IndieWire, mesmo que Cameron tenha sido influenciado por toda esta miscelânia de material, o resultado com seu filme supera todas as produções do gênero realizadas até então.

A narrativa principal de Avatar efetivamente não pode ser considerada um caso de plágio, a menos que todas as supramencionadas narrativas também o sejam. Elas e incontáveis outras derivam do modelo que o antropólogo Joseph Campbell propôs chamado monomito, ou jornada do herói, que é um sistema narrativo cíclico utilizado à exaustão por hollywood, em filmes como Star Wars (1977) e Matrix (1999). Em sua estrutura, baseada no mito de Hércules, o modelo dá conta da narrativa que apresenta um herói e uma série de provações que o mesmo enfrenta e obtém exito, até conquistar sua recompensa.

Comparação entre a HQ Timespirits e Avatar.

Quanto aos direitos autorais dos artistas que identificaram e acusaram Cameron de copiarem suas obras, suas insinuações foram defendidas pelo argumento legal de que não se pode alegar que uma ideia similar constitui um caso de plágio, assim como as inspirações não suscitam o plágio em si, uma vez que não foram identificadas reproduções, somente similitudes.

Para os críticos Katey Rich e Josh Tyler do portal Cinema Blend, antes de quaisquer aproximações à outras fontes de referências, James Cameron aproveitou tudo o que deu certo em seus filmes anteriores, de O Exterminador do Futuro (1984) a Titanic (1997), passando por Aliens (1986) e O Abismo (1989). Assim, não haveria motivos para escândalo algum, uma vez que ele reproduziu um material que lhe é seu por direito e trabalhou com uma fórmula de sucesso. Eis a bilheteria bilionária do filme para comprovar tal afirmação.


Artigo de opinião sobre plágio elaborado para a disciplina de Língua Portuguesa em Comunicação Social III.