sábado, 4 de agosto de 2012

The Tramps Entrevista: Neusa Barbosa


Neusa Barbosa começou como repórter de Cidades na Folha de SP. Passou rapidamente pela Folha da Tarde – onde trabalhou na editoria de Cultura. Depois, pelo Estado de S. Paulo, também na editoria de Cidades. Em seguida, um ano como editora de Internacional na extinta Revista Visão. Logo foi para Veja S. Paulo, onde assumiu a coluna de Cinema por seis anos, período em que acumulou outras colunas, como a de música clássica.

Quando saiu da Veja SP, em 1996, começou a trabalhar como free lancer para vários veículos, como o jornal Correio Popular de Campinas. Em 2000, criou o site Cineweb (www.cineweb.com.br), especializado em cinema e fornecedor de conteúdo para agência Reuters e portal UOL. Atualmente, edita o site, onde escreve críticas, reportagens e tem um blog (Celuloide Digital), sendo, ainda, colaboradora das revistas Bravo e Select.
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• Como nasceu em você a paixão pelo cinema?
Começou bem cedo, quando eu era criança e meu pai me levava para assistir desenhos animados tipo Walt Disney. Eu sou a filha caçula e também ia com meus irmãos mais velhos assistir algumas coisas censura livre. Profissionalmente, eu sempre quis ser jornalista de cultura, mas no começo da carreira isso não foi possível. Eu comecei como repórter de Cidades, na Folha de SP. E acho que foi muito bom profissionalmente, ter essa experiência mais urgente, de cobrir emergências do dia a dia, greve de ônibus, de professores, eleições municipais, etc. Eu comecei mesmo a escrever sobre cinema anos depois, quando assumi a coluna de cinema da revista Veja SP, onde trabalhei seis anos. Daí em diante, não parei mais.

• Qual é o sentido de ser crítico nos dias de hoje?
É uma atividade que se transformou enormemente por conta de mudanças tecnológicas, sobretudo. Hoje em dia o público tem sua própria rede de comunicação, via twitter, facebook, trocando informações. Também houve a explosão da internet, a multiplicação de sites e blogs. E, ao mesmo tempo – mas não pelo mesmo motivo -, encolheu o espaço dedicado à cultura nos jornais. Ainda assim, a crítica não perdeu sua razão de ser, seu sentido. A reflexão sobre a arte, não só sobre o cinema, continua tão fundamental como sempre foi, até para que essa arte respire, se reolhe, se transforme. Sem a reflexão, a criação se empobrece. Claro que estou tendo em vista uma crítica informada, preparada, profissionalizada, responsável, não os “chutadores” que existem em tantos meios por aí.

• Qual sua posição frente a nova crítica de cinema, que germinou na era dos blogs e das revistas virtuais?
Acho que na era dos blogs os espaços críticos se multiplicaram, mas nem sempre eles merecem ser considerados assim. Há muita opinião gratuita, muito “achismo” amador, isso não pode a rigor ser considerado crítica. Por outro lado, há sites e blogs que conseguiram firmar sua identidade como locais de reflexão e diálogo com os cineastas, criadores, e também com o público. É um processo de depuração normal, necessário e permanente.

• Como vê o academicismo de certas linhas de pensamento na crítica cultural? Acredita que a dissecação de um filme, tornando a análise o mais objetiva possível, tende a enfraquecer a importância da análise subjetiva?
O academicismo é um vício, quando ele acarreta uma atitude fechada, esnobe, que tende a tentar criar um clubinho com poucos sócios com direito à palavra. Não gosto dessa atitude, que é comum também em meios universitários. A dissecação de um filme pode recorrer a várias ferramentas, mas entendo que a crítica fundamentada conjuga a objetividade com a subjetividade, tendendo ao equilíbrio. Mas não sou contra a paixão, ela cabe dentro da crítica. O que não cabe é subordiná-la a antipatias pessoais...

• Quais são seus críticos de cinema favoritos? Os de outrora, que influenciaram ou ainda influenciam seu trabalho, e os de agora, que acredita sustentarem com talento a causa da crítica de cinema.
Paulo Emílio é sempre um farol, porque ele conjugava o rigor intelectual com o humor, com uma leveza exemplar. Dos atuais, gosto muito do José Geraldo Couto, do Luiz Zanin e do Inácio Araújo, são pessoas que leio sempre com prazer e atenção, ainda que discorde deles em vários casos. Dos estrangeiros, gosto bastante do Peter Bradshaw, do jornal inglês The Guardian, e da Mannohla Dargis e do A.O. Scott, do The New York Times. 

• É célebre a história de Antonio Moniz Vianna parou de escrever quando da morte de seu maior ídolo, John Ford, pois acreditava que nada tinha mais a acrescentar como pensador diante da crise criativa contemporânea. Qual diretor cuja morte já lhe provocou semelhante desalento?
Vários: Federico Fellini, Stanley Kubrick, Ingmar Bergman, Robert Altman, Theo Angelopoulos. Eles fazem uma falta enorme! E são insubstituíveis.

• A perda de espaço de textos críticos nos veículos impressos é sintoma da falta de interesse público, ou a busca ávida dos veículos pela adequação a tempos de pouca reflexão?
Acho que há um conjunto de razões: os veículos querem economizar papel, então a primeira vítima é o caderno de cultura, que muitas chefias e direções de redação, por uma visão enviesada – e por, em geral, estas pessoas serem provenientes mais das editorias de política ou economia -, acreditam supérfluo ou dispensável. Há também um empobrecimento cultural na escola nos últimos anos, especialmente por ser movida por uma visão mercantilista, que encara o processo educacional como mero treinamento pare entrada no mercado de trabalho. Por essa visão, matérias como literatura, teatro, filosofia, história, sociologia, etc., não valem muito. E são elas que oferecem o estofo mais reflexivo de uma educação integral, que forme um pensamento analítico, crítico. Outra razão de “tempos de pouca reflexão”, como você diz, está na televisão. Nossa TV, nas últimas décadas, se empobreceu culturalmente – ela que começou nos anos 50 com teleteatros onde se encenava Tchecov e Nelson Rodrigues hoje produz novelas de dramaturgia indigente. Sem contar programas como BBB. A TV tem moldado hábitos culturais para o pior, também com seus programas de auditório, onde nunca se veem os melhores músicos do País. A melhor cultura nacional vive nos circuitos alternativos. O cinema brasileiro, com raras exceções, também está fora da televisão – que deveria ser sua parceira (e não só no modelo Globo Filmes, deveria haver modelos mais parecidos com a Arte europeia). É de se perguntar porque a TV estatal e educativa não segue um modelo como o da Arte, produzindo projetos para exibir também no cinema, de alta qualidade.

• Discutir "comércio versus arte" ainda é válido quando percebemos qualquer cinematografia?
É, sim, em qualquer cinematografia essa dicotomia se estabelece. São raros os filmes que conseguem conjugar os dois, mas existem. Em todo caso, é preciso haver mecanismos de produção para que os filmes de arte não deixem de ser feitos. Os comerciais, aliás, não precisariam de incentivos – deveriam ser produzidos por produtores privados, que colocassem seu dinheiro e corressem os riscos do jogo capitalista. No nosso mercado, não há produtores com esse perfil.

• Como vê o cinema brasileiro atual?
De um lado, com otimismo, porque a retomada deixou de ser um fenômeno temporário. Ao que parece, desde 1994 estamos finalmente tendo uma produção regular de cinema, que autoriza pensar na formação de uma indústria – por mais que haja sinais claros da necessidade de uma revisão das leis de incentivo. Por outro lado, vivemos um momento de transição, de uma certa crise de modelos. Temos a comédia de grande público, de modelo televisivo, bem estabelecida. Do lado dos filmes mais empenhados, com maior ambição dramatúrgica, parece que há uma certa dificuldade de dialogar com todo o público que se desejaria – um caso recente é “Xingu”, que os produtores pensaram para 1 milhão de espectadores, mas parece que não chegará a 400.000 espectadores. Como toda crise, é um momento de pensar e mudar de direção, o que enriquecerá os resultados futuros.


Publicado originalmente no Papo de Cinema

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