terça-feira, 2 de julho de 2013

CINEMA A DOIS | OS DAVIDS - Eraserhead e Enraivecida na Fúria do Sexo


No território de David Cronenberg, Enraivecida na Fúria do Sexo faz todo sentido, pois alinhado às obsessões estilísticas e temáticas que o cineasta reprisaria em quase todos seus filmes seguintes.  Estão presentes as tentativas médicas de “melhorar” o homem e as catástrofes decorrentes disso. A psicanálise (freudiana) apoia algo que, na superfície, pode passar muito bem por filme B. Dentro da trama, a mulher vitimada em acidente, cobaia de enxertos, logo contaminará a todos pela doença desenvolvida que não lhe afeta da mesma maneira. Uma espécie de falo surge da axila de Rose (saído de orifício semelhante à vagina) e se torna meio pelo qual ela se alimenta. Cronenberg faz do sexo energia vital de vida e morte nesse filme irregular, cuja segunda parte, mais esquemática, apenas sublinha a primeira.

Com Eraserhead, Lynch não apenas estreou no cinema, mas fez de cara um de seus filmes mais pessoais, impregnado de elementos autobiográficos. Henry, o protagonista, é tipo esquizofrênico de traços paranoicos que vive no entorno industrial. Piora ao descobrir a iminência da paternidade inesperada. Realidade objetiva ou subjetiva? A linguagem empregada por Lynch dá subsídios para ambas interpretações, sobretudo se levados em conta os elementos surreais identificados antes mesmo no nascimento do filho-coisa que desestabiliza tudo de vez. A confusão mental de Henry aumenta ainda mais após o abandono da mulher, mãe impotente que some deixando o apartamento minúsculo, o marido desorientado e o filho de choro intermitente.

A anomalia em Enraivecida na Fúria do Sexo, como que “avaliza” o comportamento agressivo da fêmea. Em Eraserhead, a figura grotesca do recém-nascido “justifica” o terror psicológico do pai. Cronenberg e Lynch parecem projetar, no âmbito concreto, temores inconscientes (respectivamente, a insurreição violenta da mulher e a paternidade imprevista) que, de modo similar, tornam gradativa a instabilidade de protagonistas habitantes em entornos praticamente inóspitos.

Enquanto Eraserhead se sobressai pela construção rigorosa da imagem (alusiva à faceta de Lynch enquanto artista plástico) em consonância com a perturbadora orquestração de sons, num conjunto rico, Enraivecida na Fúria do Sexo apoia-se na força da mensagem - e seu respectivo ponto de vista - mais que em méritos de gramática cinematográfica.


Por Ana Carolina Grether e Marcelo Müller

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Eraserhead (1977), primeiro filme de David Lynch, é o universo lynchiano em sua forma nua e crua; é o irreal - real, o enigmático muitas vezes cômico devido à tamanha estranheza, acrescido de um ambiente aterrorizante e absurdo nos detalhes. É como ser transportado para um pesadelo. A começar pelo próprio protagonista de olhos fixos, arregalados e cabelos literalmente em pé, cujo exterior remete ao seu próprio interior conturbado. Aliado a isso, o cenário inacreditavelmente macabro, escuro e estranho, cheio de sons perturbadores. 
Henry (Jack Nance) mora na periferia da sociedade industrializada. Descobre que vai ser pai após um jantar inesperado na casa da namorada Mary (Charlotte Stewart). Eles casam, e meu Deus, o bebê é a criatura mais horripilante do filme, algo de outro mundo. A tal criatura alienígena chora o tempo todo e muda a vida do casal. Mary acaba por abandonar Henry.
A partir daí o surreal domina ainda mais o cenário. A cantora misteriosa que vive no aquecedor do apartamento de Henry remete à Doroty de Veludo Azul e ao protagonista de O Homem Elefante. A loucura, o abstrato, o subjetivo, fazem com que Eraserhead seja um filme que fica na memória por muito tempo após a última cena. O incomum e a tensão que ele transmite de uma forma única é algo difícil de encontrar no cinema atual. Perfeitamente louco e absurdamente surreal!
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ENRAIVECIDA NA FÚRIA DO SEXO - Por Douglas Tadei 
Rabid (1977), de David Cronenberg, que recebeu o duvidoso subtítulo de Enraivecida na Fúria do Sexo (provavelmente pela presença da ex atriz pornô Marilyn Chambers) não o merece. Não há nenhuma cena de sexo no filme, apenas esparsas aparições de M. Chambers com os seios a mostra. 
Marilyn é Rose, que junto de seu namorado Hart (Frank Moore) sofrem um acidente de moto numa rodovia e são atendidos numa clínica de cirurgia plástica. Ele sofre quase nenhum dano, mas ela tem perda de tecidos, que são repostos pelo médico Dr. Dan Keloid. Após um período inconsciente ela acorda com um apetite, digamos, diferenciado: sangue. Na verdade não é ela, mas algo que cresceu em seu corpo, num lugar sui generis. 
Com isso ela começa uma epidemia de raiva, onde os condenados apresentam todos os sintomas e atacam sem dó, lembrando o modus operandi dos zumbis. Mas ela continua impecavelmente bela. O restante do filme segue com todas as paranoias e intervenções militares típicas. Cronenberg aqui já deixa um sinal de sua obsessão pelo corpo, mutações e etc. Porém não é seu filme mais nojento, sem deixar de ser impressionante. 
P.S. Notem a incrível semelhança entre Chambers e Claire Danes!

10 comentários:

  1. Foi dada a largada!

    Adorei esta iniciativa de vocês, agitando nosso mundo cinéfilo :)

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  2. Obrigado, Mana.

    Nós é que agradecemos pela disposição de todos vocês em ajudar.

    beijos

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  3. Mana, você disse tudo: agitando nosso mundo cinéfilo, também tive essa impressão! E da forma como Marcelo propôs ficou ainda mais interessante, pois os olhares pessoais deram vida 'as nossas críticas!
    Esse 1o do Doug e Lucila ficou bemmm interessante :) adorei. beijos para todos

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  4. Proposta mais que bacana, Marcelo e Carol! Duas opiniões distintas já enriqueciam muito o diálogo sobre determinadas cinematografias, mas o acréscimo dessas outras pequenas críticas foi genial. Parabéns pela iniciativa, acompanharei muito atento! :)

    Abraços!

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  5. Adorei!
    Como diria David Lynch: "Beautiful!"

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  6. Aguardo ansiosa para a ler dos próximos comentários !

    Parabéns pelo site.

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  7. ops..

    *para ler os próximos comentários!


    Muito bacana seu trabalho Marcelo !

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  8. Muito bom mesmo. Certamente, isso dará movimento interessante ao blog, com opiniões diversas e debate sadio.

    Grande abraço.

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  9. Todo mundo escrevendo bem demais, hein, caros amigos cinéfilos? Excelente.
    Fiquei até tímida agora de participar. :)

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