Quinze anos depois, Denys Arcand reúne novamente os
personagens de O Declínio do Império Americano,
agora em As Invasões Bárbaras, até
então seu trabalho mais sutil e simples (no melhor sentido da palavra). Arcand
comove ao abordar temas atuais e pertinentes, sem forçar a barra ou apelar ao
dramalhão, pelo contrário, aliás, como é comum ao seu estilo, equilibrando as
cargas de emoção e razão. A relação de Rémy (personagem principal) com o filho marca
as passagens mais importantes do filme, nas quais são expostas dificuldades
afetivas antigas. Anos depois, o pai, também mais maduro, sofre a ausência do
filho e dos amigos.
Arcand “remonta” ou recoloca esses personagens: os
amigos de Rémy, o filho, a ex-mulher e aquela que será fundamental ao desfecho do
drama. Todos se movimentam a partir da notícia do estado terminal do
protagonista. As Invasões Bárbaras consegue
conciliar o micro e o macro, partindo de um ponto comum. O drama vivido pelos
personagens, o imbricamento entre os mesmos e os fatores sócio-políticos se
auto-pertencem, como que fazendo parte de um grande sistema. O mais bonito do
filme é a harmonia obtida por Arcand entre o que ficou no passado condenado e o
que se tem no presente. Uma espécie de acerto de contas que, como na vida real,
só é possível ao amadurecermos e estarmos dispostos a enfrentar nossos próprios
fantasmas. Tá pra nascer um filme tão
bom!!!!
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Em O Declínio do Império Americano os personagens celebravam a beleza
das contradições, os amores entremeados por traições ocasionais, lembravam
saudosos de histórias transgressivas e de engajamento. Nas conversas, o sexo
assumia o protagonismo devido, isso numa entorno que teimava (e ainda teima) em
lhe marginalizar. Já em As Invasões
Bárbaras, a sequência, o assunto é quase unicamente a morte, a falência do
material humano bem como de certo projeto de sociedade. A relação complexa e
conturbada entre pais e filhos surge nesse panorama como indicativo da
dificuldade de coexistir e de, muitas vezes, deixar de repetir determinados
padrões antes recriminados.
Rémy está morrendo. Não exibe
mais a vitalidade de antes e o apetite sexual que lhe garantiu notoriedade no
meio dos amigos intelectuais, entre eles algumas de suas amantes. À espera da
morte, reencontra o filho e passa a limpo seu passado, expõe o medo de
desaparecer sem deixar qualquer marca relevante, invadido sem possível
resistência por uma doença incurável. As
Invasões Bárbaras é um filme sentimental, não por apelar deliberadamente
aos nossos sentimentos, mas por se utilizar deles a fim de amplificar – tonando
humano, portanto próximo de nós – o decreto de uma derrocada. Com Rémy não se
foi apenas o próprio, mas toda uma geração.