sábado, 8 de março de 2014

CINEMA A DOIS | DENYS ARCAND – A Era da Inocência (2007)

Um dos maiores acertos do diretor Denys Arcand foi injetar dose generosa de humor em A Era da Inocência. Ela faz toda diferença em meio a um cenário semelhante ao de O Declínio do Império Americano e de As Invasões Bárbaras. A realidade enfadonha, beirando o insuportável, faz com que o protagonista Jean-Marc fuja para uma atmosfera onírica, engraçadíssima. Se todo sonho é também uma representação do nosso desejo inconsciente, recalcado, podemos imaginar que Denys Arcand sugeriu exatamente essa ideia como cerne de seu filme.

Amarrado a certa asfixia do mundo real, Denys Arcand conduz A Era da Inocência do início ao fim, sem abandonar essa ideia, nos provando de algum modo que não estamos livres da inércia da vida, das mazelas desta e da grande ilusão que construímos para torná-la suportável. O fim da trilogia me parece absolutamente coerente com a proposta de Arcand.
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Que outra coisa a fazer quando a vida se burocratiza ao máximo, senão recorrer à fantasia como refúgio? O protagonista de A Era da Inocência, pai de filhas alienadas, marido de uma esposa workaholic, escravo de um emprego público chato, “transforma” a si mesmo constantemente em alguém extremamente bem sucedido – rodeado de lindas mulheres que o desejam – para aliviar sua existência vazia. Denys Arcand provavelmente nunca foi tão abertamente crítico como nesse filme. Também, quem sabe, nunca se focou tanto num personagem, fazendo brotar de sua experiência íntima um mal-estar comum.

Se as cidades estão tomadas por uma espécie de vírus que as transformam em reinos do inóspito, do automático, por que não retornar ficticiamente à Era onde tudo era mais primário e simples? A Era da Inocência lança luz sobre uma sociedade à beira do colapso, cujo maior efeito colateral é a total desumanização do humano. Nesse cenário, lúcidos são aqueles que buscam maneiras de escapar, de fazer do seu mundo um lugar melhor, nem que para isso seja necessário viver no limiar entre a sanidade e o delírio. Ou, quem sabe, seja necessário renunciar aos vícios do progresso para continuarmos evoluindo enquanto espécie?


Por Ana Carolina Grether e Marcelo Müller

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